Essa vivência começou
com músicas infantis da minha época e em duplas, cada um pintando o outro. Sobrei
e fiquei em trio, com um casal.
A atividade era difícil para mim porque nas vezes em que
expressei minha criatividade até então, fui bastante criticada. Por não ter
desenvolvido minha coordenação motora, essa atividade de pintura não fazia
parte do melhor que tenho em mim. Eu não sabia fazer, mas era para fazer, então
fiz.
Logo depois, a terapeuta pediu que fechássemos os olhos e
começássemos a lembrar de nossa infância, de nossas brincadeiras, do que a
gente queria ser quando crescesse, dos amiguinhos da época. Essas simples
lembranças trouxeram à tona memórias que teria que lidar depois.
Lembrei que queria ser médica, e que, de fato, eu tinha me
distanciado muito do que seria o meu caminho. Eu era formada em ciência da computação,
trabalhando no serviço público na área de tributação e querendo fazer concurso
na semana posterior à chapada, para analista de controle externo!
Também lembrei que por volta dos doze anos, tive que deixar
minhas brincadeiras com minhas amigas para cuidar dos meus irmãos, tinha que
ensiná-los, eles deveriam passar de ano, essa era a minha obrigação! Não queria
ter essa responsabilidade, mas não tinha outro jeito; minha mãe tinha sido
aprovada num concurso e inicialmente passou um tempo em Petrolina e depois em
Bodocó; só a víamos nos fins-de-semana. Depois, ela voltou para casa, mas não
para a função de mãe, já havia tomado essa função para mim.
Estava tudo errado; era mãe do meu pai, do meu irmão e da
minha irmã, e irmã da minha mãe! Também me dei conta que protegi meus irmãos,
mas que ninguém me protegia, dei-me conta do meu abandono.
Engraçado que antes dessa vivência, enxergava minha mãe como
“a salvadora da pátria”, fazendo o que ela podia fazer. Esse ângulo é bem
verdade, foi uma virada e tanto que ela deu na vida, mas tinha esse outro aspecto
familiar, percebido agora, e que também não sabia como lidar.
Chorei sem parar, só chorava. Começou a parte da brincadeira
da vivência - a idéia era se divertir - mas eu não queria, só chorava, recusei
mesmo. Lembro que logo depois da vivência fui ao banheiro e tirei toda a tinta
do meu rosto o mais rápido possível, como se tirando a tinta, eu pudesse
refazer o que havia descoberto: não podia mesmo!
Lembrando da cena agora, percebo que existia uma raiva em
mim, uma raiva por ter tido tanta responsabilidade antes da hora, por ter
perdido fases da minha vida, por precocemente ter levado a vida tão a sério.